bateu-me à porta. literalmente. bem parecido, educadíssimo, com uma conversa impressionante. perguntei se já tinha recorrido às instituições para ter alguma ajuda. informei-o sobre o banco alimentar e como recorrer a ele. perguntei se já tinha recorrido à segurança social. a resposta foi, sim mas, ainda não tive resposta e este mecanismos não funcionam. perguntei se tinha fome. disse, comer ainda consigo. perguntei onde dormia, respondeu, nos bombeiros, quando posso, senão, na rua. perguntei a idade, respondeu 30 anos. perguntei se já tinha tentado trabalhar, respondeu, há ano e meio fui dispensado da companhia nacional de bailado. fiz muitos trabalhos, com muito bons artistas e encenadores, mas com os cortes na cultura, estou assim. sabe o que é, uma pessoa como eu, estar aqui a pedir? não, não sei. pensei mas não o disse. foi um golpe emocional. não consegui não o ajudar. as circunstâncias da vida podem mudar num ápice. perguntei se estava disponível para trabalhar no que fosse, sim, respondeu. se tinha cadastro, vícios, doenças, não, respondeu. se tinha acesso a e-mail, sim, às vezes vou a uma biblioteca para aceder à net. boa, disse eu. tem e-mail, perguntei. sim, respondeu. então dê-mo. vou enviar-lhe um e-mail e responde-me com o seu cv. o que eu puder fazer, faço. obrigada, respondeu.
fui directa ao computador para fazer uma breve pesquisa sobre os seus trabalhos. e não é que aparecem imensas coisas sobre ele? enviei o e-mail. aguardo resposta. já mexi uns cordelinhos caso a receba. a ver se consigo contribuir com o click na vida dele. sim, porque um artista destes, que já trabalhou com tanta gente conhecida e reconhecida, andar a pedir esmola, é coisa que me fez "bater com o nariz na porta". e quantos não existirão assim? com outras profissões, com outras histórias. uma merda, é o que é. se alguém desse lado souber de alguma oportunidade, por favor, informe-me.